sexta-feira, 20 de junho de 2008

Mônica


Ela já não era bonita, mas conservava na cabeça e nas mãos um cheiro bom de borracha macia e perfumada. O corpinho já não tinha vestido. Depois de anos, era só velha espuma agora magrela e murcha. Essa era a Mônica, minha boneca, primeiro brinquedo, companheira de choros e de descobertas. Eu nem lembro minha idade na época. Só lembro que essa era minha única amiga real. Sim porque eu tinha um verdadeiro batalhão de amigas imaginárias também.

Mas foi na Mônica que ensaiei meus primeiros rabiscos com uma caneta e isso foi sim uma manifestação de afeto. Ganhei essa boneca por teimosia: me agarrei nela e não quis mais soltar, de modo que só restou à minha mãe tirar dinheiro da onde não tinha para comprá-la. Ela era nessa época linda, grande e cheirosa, com vestido vermelho e sapatinhos pretos.

O dia em que a rabisquei foi algo espontâneo e simples. Tomávamos chá com outras bonecas na sala. Comecei a achar bonito o traço que sempre as canetas faziam no papel. Então tomei uma decisão. Peguei a caneta, aquele objeto até então desconhecido e desengoçado entre meus frágeis dedinhos e fiz um risco em um papel. Depois um na parede. Feliz com a descoberta, chamei minha companheira Mônica para que eu pudesse compartilhar a beleza daquilo:


- Olha Mônica! Vou te deixar mais bonita!
Ela até gostou do novo visual. Eu também. Mesmo murcha e rabiscada, para mim ela era a mais linda do mundo.


domingo, 15 de junho de 2008

Relíquias

Um festival de rock num cenário nada convencional. A área era ampla, como se fosse uma antiga mansão abandonada, ainda com características que faziam que faziam lembrar um grande salão que algum dia teve seu glamour. O salão cujo chão estava coberto de poeira cheirava a coisa muito antiga, esquecida pelo tempo. Grandes escadas partiam de um dos lados. Eram escadarias largas, de modo que era impossível se amparar com as mãos nos dois corrimãos. Tudo cheirava a pó.
Nas paredes relíquias de um tempo já esquecido (ou quase). Quadros com inscrições e códigos, alguns que nunca foram interpretados. E em cada cômodo, mais surpresas de deixar os olhos encantados. Antiguidades maravilhosas, divinas. O festival estava sendo realizado num velho museu. Aquilo era demais. Quem me conduzia pela maravilha coberta de pó era um arqueólogo que se dizia responsável pelo museu. Ele me mostrava cada detalhe, e cada grão de poeira era uma magia.
Nos detivemos em dois pequenos quadros em cima de uma mesa rústica. Os delicados quadrinhos eram de papiro e possuíam letras que nunca antes vi na minha vida. Mas meu coração se alegrou com aqueles desenhos como se soubesse que tipo de signo representavam. Eram lindos, delicados, singelos. Aquele que me acompanhava, vendo tamanho encantamento, deu-me de presente aquele material cujo valor nem poderia ser calculado.
Enquanto boquiaberta, me encantava com o presente, saí na varanda. De onde estava podia ver um amplo espaço aberto, muita terra e muito verde. Mas não foi isso que vi dessa vez. Milhares de vasos chineses flutuavam no ar, brilhantes. Eles vinham como que do céu, e enormes, pairavam no ar. Atônita, me perguntava como aquilo poderia estar acontecendo. Aquele que me acompanhava apenas sorria. De repente todos os vasos se juntaram, formando a imagem de uma taça gigantesca. Na frente da taça apareceu um homem e ao mesmo tempo em que eu me perguntava como aquilo tudo poderia estar acontecendo, um tecido fino e dourado pousou em minhas mãos. O homem postou-se à minha frente, colocando sobre o tecido em minhas mãos uma pequena caixa, e disse:

- Entregue as relíquias que estão aí dentro para as pessoas. Mas não da forma que muitos já fazem. Jogue, que aqueles que devem reconhece-las, as reconhecerão.

E homem, taça e vasos viraram fumaça, deixando em minhas mãos apenas a pequena caixa dourada sobre o tecido. Abri a caixinha. E então joguei para as pessoas do andar de baixo o seu conteúdo. Pequenas moedas hexagonais caíram no chão empoeirado, e mesmo com meu grito de que relíquias estavam no chão, poucos souberam reconhecer o valor daquelas moedas. Estavam todos ocupados demais. E muitas delas ficaram ali, talvez para sempre.