quinta-feira, 16 de julho de 2009

Cineclubes

Que o preço do cinema está nas alturas é fato. A cada dia é mais complicado pagar para ver um filme na telona, ainda mais para quem, como eu, não tem mais carteirinha de estudante para pagar meia entrada. E não é só esse o problema que faz do acesso ao cinema algo restrito. Além dos altos valores, milhares de cidades no país não possuem salas de exibição. É uma constatação triste, ainda mais quando paramos para pensar que não é só diversão. É cultura, cidadania e instrumento de transformação social.

Os cineclubes tem exatamente a intenção de preencher esse vazio que existe no Brasil. É uma alternativa bacana para ver filmes que geralmente não estão no circuito das salas comerciais e de graça. Opção interessante para quem gosta de cinema e quer assistir e debater. E se engana muito quem pensa que isso é coisa de nerd cinéfilo, de estudantes que não tem mais o que fazer ou apenas de panelinhas formadas por gente ligada à produção audiovisual.

Qualquer pessoa ou instituição que tiver vontade de montar um cineclube pode participar do evento que acontece esse final de semana em Goiânia, nos dias 17 e 18, no Centro Cultural Caravídeo. É a etapa estadual do Circuito em Construção - Seminários Estaduais para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista. A intenção é instruir sobre como montar e sustentar um cineclube, já que não dá para manter sozinho - financeiramente - uma estrutura como essa. Existem incentivos inclusive do Ministério da Cultura.

Apesar de existirem pelo menos 12 cineclubes em Goiás, infelizmente, eles não funcionam regularmente, com exibições constantes. É o que afirma Luiz Felipe Mundim, Coordenador do Cine Mais Cultura da ABD-GO e do Cineclube Cascavel. Isso é porque, segundo Luiz Felipe, a galera em Goiás ainda não tem a mesma consciência dos cineclubistas dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. A atividade cineclubista, que completa esse ano 81 anos no Brasil, se fortalece cada vez mais e consegue se auto-manter. Para fortalecer esse movimento também em Goiás, basta se unir e se conscientizar sobre a força e poder de mobilização do cineclubismo.

O projeto Circuito em Construção – Seminários Estaduais Para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista reuniu em junho de 2008 no Rio de Janeiro um representante do movimento de cada estado brasileiro. Cada representante se preparou para realizar o evento em seu estado. Goiás fechará a lista dos seminários estaduais com a presença de importantes nomes para o Cineclube nacional e internacional, como o Presidente do Conselho Nacional de Cineclubes e Vice-Presidente da Federação Internacional de Cineclubes Antônio Claudino de Jesus, o Coordenador-Geral de Difusão de Direitos Autorais e de Acesso à Cultura do Ministério da Cultura (MinC) Rafael Pereira Oliveira e o Coordenador Executivo da ação Cine Mais Cultura do MinC Frederico Cardoso.

Antônio Claudino, aliás, é uma pessoa super disponível, com anos de experiência em cineclubismo. Conversei um pouco com ele por telefone, mas infelizmente no Diário da Manhã saiu apenas uma notinha, porque as fotos não estavam muito boas e por esse motivo seria complicado dar destaque. Claudino explicou que para montar um cineclube e para fazer com que ele dê certo, é necessário que em primeiro lugar, exista um grupo de pessoas interessadas em ver e discutir filmes. É importante também que esse grupo possua uma identidade com a comunidade em que está inserido e que veja o cinema não apenas como diversão, mas como uma forma de exercer a cidadania. Outra dica interessante de Claudino é o site www.cineclubes.org.br para quem tem interesse se familiarizar mais com o tema.

Nos dois dias de seminário serão realizadas seis mesas-redondas que discutirão temas como: O panorama do cineclubismo no Brasil e no mundo; Cineclubismo e Memória em Goiás; Direitos Autorais; Programação e Distribuidores de Conteúdo; Cineclubes, uma rede em defesa dos direitos do público; Mecanismos de Financiamento da Cultura; Relatos de Experiências Locais.

Para quem quer saber mais:
Circuito em Construção - Seminários Estaduais para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista

Quando? 17 e 18 de julho, das 9h às 18h
Onde? Centro Cultural CARAVÍDEO Rua 83, n.º 361, Setor Sul – Goiânia – GO
Inscrições gratuitas pelo: www.cineclubecascavel.blogspot.com
Vagas limitadas
Mais informações: (62) 3218-6895 (Delma ou Tatiane)

sábado, 4 de julho de 2009

Adeus à grande amazona

Como um passarinho que acaricia as folhas das árvores com o movimento de suas asas, ela me deu um último beijo morno. Desde quando eu era bem pequena me despedia dessa figura gordinha e suave com medo de nunca mais voltar a vê-la. Era um medo que gelava por dentro, que consumia as entranhas e me fazia tremer, mas que desaparecia com o aceno delicado daquelas mãos grossas pelo contato com o sabão e a lida dura da vida. Ela acenava, sorria, e só quando o carro estava longe fechava o portão da casinha branca.
Quando eu tinha medo do escuro, ela chamava com carinho:

- Vem, deita aqui na minha cama comigo.

E eu, assim como todos os netos quando estavam atormentados pelas sombras da noite, dormia serena aconchegada na barriga mais confortável que qualquer travesseiro de luxo. O ritmo suave da respiração dela era como uma canção de ninar. Não importavam os fantasmas. Nenhum deles poderia se aproximar daquela aura de ternura. Era nossa fortaleza.

Da pequena cidadezinha de Tiros, interior de Minas Gerais, ela saiu com os filhos e o marido que não amava. Saiu com a coragem das mulheres decididas a mudar de vida. Sem nenhuma garantia de sucesso, mas com a firmeza de quem queria que os filhos tivessem oportunidades reais. Com o tempo nutriu um sonho interessante: queria muito ver alguém da família na TV. Quando conheceu esse estranho aparelho, aliás, foi na casa de um vizinho, já em Goiânia, num bairro pobre da capital. Só ele tinha a tela mágica, e todos da rua se reuniam em torno dela em sessões alternadas.

Nunca vou me esquecer das tardes em que a família se reunia e os pequenos brincavam no quintal até serem atraídos pelo cheiro confortável de pão-de-queijo. Então, todo mundo lavava as mãozinhas e ela colocava ali o precioso biscoito quente, com um sorriso maroto. Quando ia na feira, levava a tiracolo seu carrinho e um ou dois netos. Quando voltava, cada um ganhava sua cota de salgadinhos de feira comercializados em sacos junto com os grãos.

Mesmo com nove filhos e um número sem fim de netos, ela sabia os gostos de cada um. Se fulano gostava de bolo de chocolate e ia visitá-la no domingo, ela preparava com todo o carinho o mimo para satisfazer a pessoa. E não poupava esforços. Se tinha ingrediente em falta, alguém devia sair para comprar e era preciso procurar até encontrar. Nos aniversários ela ia além: não tinha dinheiro para comprar grandes presentes, mas sempre preparava um almoço especial para o aniversariante. Nada a deixava mais feliz que ver as pessoas que amava felizes.

Ela passou pela maior tristeza que uma mulher pode passar nessa vida: perdeu um filho. Aos vinte e poucos anos e com muitos planos de ser grande na vida, ele se acidentou no trabalho. Mesmo com o peito dilacerado e a saúde debilitada pela dor, levantou a cabeça para criar os outros pequenos. E cuidou de todos, educou todos com a severidade e o carinho que garantiram que a família fosse sempre de gente honesta e trabalhadeira.

A gente quase perdeu tantas vezes essa mulher tão especial, ela superou tantas, que mesmo quando já estava na UTI em estado gravíssimo ninguém acreditava que dessa vez fosse pra valer. Mas se o espírito era forte, o corpo já estava debilitado demais: por todas as coisas lindas que fez nessa vida, Deus achou melhor levá-la para evitar mais sofrimentos. Ela merecia descansar, foram 79 anos de lutas muito duras.

Venho de uma linhagem de mulheres fortes, daquelas que sustentam o mundo nas costas. Venho diretamente das amazonas, que não pensavam duas vezes ao ter de decepar o seio para se fortalecer para a guerra. Mas se existe uma dor capaz de rasgar o coração e fazer gemer e gritar é a dor que vem com o vazio provocado pela falta de quem amamos. Dessa a gente até pode escapar com lágrimas furtivas em alguns instantes, mas chega um momento em que se cai, tomba. Só que se existe algo que aprendi com ela, nossa líder, a amazona-mãe, foi que os guerreiros podem se ferir de morte, que mesmo com a dor sufocando devem levantar a cabeça e sorrir. O importante é fazer valer nossa missão.

Para salvar a família, assim como a Judite da história bíblica, ela decepou muitas cabeças e lutou muitas guerras sem nunca perder a doçura e o sorriso. E essa é a imagem que terei sempre de você, vovó: o seu sorriso e o último beijo que mesmo morrendo de dor a senhora jogou pra mim no meio da UTI. É disso que sempre vou me lembrar quando a dor for grande, as sombras me atormentarem e eu não tiver o consolo da sua barriguinha macia e perfumada para me proteger. Vou seguir sorrindo. Porque foi assim que você me ensinou a fazer.